É a dor da ausência paterna acalantada por uma gravação de voz em fita cassete. É o menino de cinco anos que, de tanto esperar um reencontro, duvida se a imagem do homem vista à distância é a do seu pai. É a história ignorada pelos livros didáticos, subestimada pelas Comissões da Verdade estaduais. E pela imprensa. É o Golpe Militar de 1964 no Brasil pelo viés dos filhos. Testemunhos pessoais, documentos orais de bastidores do antes, durante e depois do dia 31 de março de 50 anos atrás.
É a narrativa do filho que guarda cobertores usados pelo pai durante anos de prisão; do outro que chora ao lembrar o momento em que avistou o irmão levantar um lençol encharcado de sangue e viu o pai, morto. Do filho que ri ao lembrar que omitia a profissão do pai; do que crê ter apagado parte da lembrança para se poupar. É a memória de um coletivo que pouco se ouve.
Em depoimentos gravados em Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, doze filhos fazem confidências sobre si, os pais, a vida doméstica. Relatam o impacto do golpe nas relações individuais e familiares dos Arraes, Freire, Capistrano, Julião, Régis, Rolemberg, Vilarinho, Soares, Cruz, Silveira, Bastos e Santa Cruz. Revelam fragmentos de um passado e de um presente de Pernambuco durante o governo militar (1964/1985). São filhos de presos políticos, de desaparecidos, mortos, militantes da esquerda, governantes depostos dos seus cargos, de um civil morto e de um militar. Eles descrevem nos vídeos ao lado sentimentos em torno da ditadura que se instaurou no Brasil há apenas 50 anos, e de cujas repercussões ainda não se dimensiona.
Confira a seleção de músicas feita pelo maestro Geraldo Menucci. Ele é ex-preso político e foi demitido do cargo de regente-assistente da Orquestra Sinfônica do Recife pouco após o golpe de 1964. A indicação musical sugerida por Menucci como referência para a data de 50 anos do golpe é justificável: As seis primeiras faixas foram gravadas pelo Coral Bach do Recife em 1957, no VI Festival mundial da juventude e dos estudantes pela paz e amizade, em Moscou (Rússia). A última faixa é o Hino do Camponês, escrito pelo líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião, e musicado por Menucci.
Por compartilharem sentimentos e rotinas familiares entendendo que seus testemunhos fazem parte da história do período de Ditadura Militar, nossos agradecimentos a Lutgardes Freire, Luiz Arraes, Anatólio Julião, Flávio Régis, Victor Soares, Cristina Capistrano, Mariana Freire, Joana Rolemberg, Thales Silveira e Alberto Vilarinho Costa. Pela contribuição durante a pesquisa, ficamos gratos a Vandeck Santiago, Marcelo Mário de Melo, Marcília Gama, Francisco de Assis, Gilberto Marques, Amparo Araújo, Delzuite Silva e Hebe Silveira, ao arquivo do DOPS-PE e ao Instituto Paulo Freire. Pela seleção musical complementar, agradecemos ao maestro Geraldo Menucci.
Diretora de redação: Vera Ogando | Reportagem e edição: Silvia Bessa e Juliana Colares
Edição de multimídia, arte-finalização: Jaíne Cintra | Produção de arte: Gabriela Travaglia
Imagens: Annaclarice Almeida, Eduardo Travassos, Juliana Colares e Rafael Marinho
Edição de imagens: Roberta Cardoso, Eduardo Travassos e Rafael Marinho
Fotos: Annaclarice Almeida | Design e Desenvolvimento: Bosco
Publicado em 23/03/2014.