Ser pecador custa caro. E não tem a ver com punições "superiores". O castigo vem no bolso. Neste caso, o diabo responde pelo nome de tributos. Gula, Vaidade, Ira, Avareza, Inveja,
Preguiça e Luxúria são formas históricas de listar as falhas humanas. Mas não é só isso. Elas também são áreas de apelo comercial, que além do peso espiritual, carregam uma punição
maior: a carga tributária. Para esta, não adianta pedir perdão. A reportagem do Diario adentrou nos sete pecados capitais para medir o peso dos tributos nos produtos e serviços
consumidos no Brasil. Nas próximas matérias, mostraremos os detalhes de como atua um pecado maior, o “pecado fiscal”.
De janeiro a julho deste ano, os brasileiros desembolsaram para os governos federal, estaduais e municipais mais de R$ 1 trilhão por meio de impostos, taxas e contribuições, segundo
o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Considerando a renda média, o contribuinte brasileiro trabalha de 1º de janeiro até o dia 31 de maio somente para pagar
tributos. É muito. E arrecadado da pior forma, atingindo principalmente as classes mais baixas. A engenharia brasileira para arrecadar é quase metade articulada no consumo, no qual
as pessoas pobres e ricas são “vistas” igualmente, com o mesmo poder aquisitivo.
Especialistas do setor tributário são enfáticos em afirmar que os tributos deveriam promover a justiça social, mas ressaltam que impostos não têm função punitiva. “Não se trata de um propósito
de penalizar quem vai consumir. O tributo é legal e tem a função de reunir receitas para retornar em ações que promovam o bem-estar da população, além de ser um fator essencial na
promoção do equilíbrio social e da redução das desigualdades regionais”, enfatiza o advogado especialista em direito tributário Rodrigo Accioly. Segundo ele, a problemática é que
quase 45% da arrecadação do Brasil está no consumo, quando em países desenvolvidos é na casa dos 25%. “O ideal seria tributar mais a renda e as riquezas. E a maioria dos países
faz isso. Por aqui, cerca de 20% apenas é tributado de acordo com esses critérios”, salienta.
O presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Paulo Dantas da Costa, destaca que arrecadar mais tributando o consumo é medida “defasada, regressa e fracassada, que
configura a forma mais emblemática de ‘injustiça social’”. “Pobre não poupa porque não consegue. Gasta tudo que ganha, ou seja, onde o governo coloca os olhos. Você pode ser pedinte
de rua, mas paga o mesmo que um milionário. Não tem como esse formato ser justo.” Para Costa, o Brasil é paraíso para ricos. “É como se a tributação não chegasse a eles. Jatinhos e
iates, por exemplo, são obrigados a pagar tributos nos moldes de um carro popular, mas não contribuem igualmente. O Imposto de Renda (IR) é representado pela figura de um leão.
Quando se trata de ricos, vira um gatinho manso”, reforça.
O IR é só um deles. IPI,
PIS/Cofins, ICMS , IPVA , IPTU , ISS são parte
de uma lista grande de tributos. Outro pecado é que não há perspectiva em médio prazo para que essa balança se equilibre. A justiça não é pensada. Os indicativos de reforma tributária
brasileira só analisam como mudar a repartição de receitas entre as esferas de governo, no máximo.
Só um lugar é imune de todos os pecados fiscais. E a solução está justamente nos templos religiosos, onde o dinheiro é livre de taxação. “Templos de qualquer culto têm direito à
imunidade. Propriedades vinculadas e as próprias igrejas não pagam IPTU, por exemplo. Carros a serviço delas não pagam IPVA. As contribuições e os dízimos, por sinal, também têm
isenções.” Outra solução é ler este especial até o fim, porque a informação sempre salva.
Sabe aquele perfume ma-ra-vi-lho-so que você tem a maior pena de usar porque custou “os olhos da cara” em uma importadora? Pois saiba que, não fossem os impostos, com o preço de um frasco daria para você levar cinco para casa! Um perfume importado no Brasil tem uma tributação correspondente a 78,43% do preço final. E não é apenas esse produto do mercado de beleza que tem uma alta taxa de impostos. O setor de cosméticos é um dos mais tributados no país. Pelo menos metade do preço de maquiagens, cremes, perfumes e até das espumas de barbear vão para os cofres públicos. A área de vestuário tem índices menores, mas a tributação ainda chega a 40% do valor de roupas, bolsas e sapatos. Ao que parece, na lógica da tributação brasileira, o pecado da vaidade é o que merece maior castigo.
Cansada da alta carga tributária, a instagrammer Ana Karlla Assis, viciada em produtos de beleza, desenvolveu dois métodos para diminuir seus gastos nas compras. O primeiro e já
clássico é aproveitar as viagens para comprar e estocar os produtos em casa. “Como meu marido viaja frequentemente para os Estados Unidos a trabalho, sempre organizo uma lista para ele
e ainda peço coisas para minhas amigas. Acho um absurdo os preços de perfumes e maquiagem importados no Brasil”, revela. A segunda técnica é identificar produtos nacionais com formulação
semelhante aos importados. “Existem marcas locais boas e precisamos testar, ir atrás das novidades. Pesquisar é uma arma para o consumidor ”, detalha.
Karlla ressalta que o que mais a incomoda é não perceber o retorno dos altos valores pagos à administração pública. “Se nos Estados Unidos o imposto é mais baixo, isso não reflete no
cotidiano da população. As estradas são ótimas, o sistema de saúde é eficiente e a educação, nem se fala. Você paga barato e vê retorno. Aqui pagamos três vezes mais e só temos desgosto.”
João Eloi Olenke, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), afirma que o IPI (22%) é um dos grandes vilões do setor de cosméticos brasileiro. “Esse é um
tributo calculado de acordo com a essencialidade de cada produto e isso vira um critério um pouco subjetivo, porque vai depender do legislador. Além disso, o governo federal também
taxa alto as importações porque quer incentivar a produção nacional”, afirma.
Sidéria Pinheiro, dona da Perfumaria Flag, que atua há mais de 40 anos no mercado pernambucano, reforça que o governo de Pernambuco tem grande parcela de responsabilidade nas taxas e preços do setor. Aqui, a cobrança do ICMS para o setor é de 25%. “Qualquer mercadoria que entra no estado tem que pagar essa taxa. Às vezes, encontramos produtos em outros estados com ICMS menor, mas assim que eles entram aqui, temos que pagar a diferença. Grande parte dessa carga tributária acaba chegando no consumidor final, não temos como absorver”, detalha. Pelo jeito que a coisa vai, o jeito é investir na beleza interior, hein?
Viajar por mais de vinte países entre três continentes antes de completar 30 anos. Essa é ou não uma marca de causar inveja? Uma “inveja branca”, como diz o dito popular. O jornalista Filipe Félix já planeja muitos outros destinos para incrementar a lista e os seus álbuns de recordação. Mas pegar um avião para ganhar os ares é mais oneroso do que se pensa, principalmente partindo do Brasil. Por quê? Os tributos são os grandes responsáveis pelos preços cada vez mais altos em itens que causam a “inveja”.
Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), do valor da passagem aérea, 22,32% são referentes a tributos. Na hospedagem em hotéis nacionais, o
índice é de 29,56%. E se o objetivo é conhecer os restaurantes, a tarifa é ainda mais alta: 32,31% por refeição. Se pensarmos em outros itens que provocam o olho gordo, a incidência
dos impostos é ainda mais espantosa.
Para muitos, uma vida invejável inclui, também, roupas de marcas, joias, tênis da moda. Vamos aos dados: 35,30% do valor de um terno são referentes aos tributos embutidos. Nos perfumes
importados, acreditem, essa fatia é 78,99% do preço trabalhado nas prateleiras. Roupas (34,67%) e joias (50,44%) também entram nos exemplos do quanto é caro levar uma vida de causar
inveja.
“Como volta e meia tenho a oportunidade de viajar para fora do país, aproveito para comprar no exterior. Mesmo com impostos, ainda vale mais a pena que no Brasil. A carga tributária
brasileira está em tudo, principalmente na prestação de serviços”, afirma o jornalista Filipe Félix, 28 anos.
Os empresários do mercado de luxo também sentem o peso da carga tributária. Como precisam de um produto diferenciado, muitas vezes importados, a tributação é alta. “Se eu compro um
produto nacional, uma blusa, por exemplo, já pago 17% de ICMS. Isso antes de vender o produto. Quando trago um vestido de uma coleção do exterior, eu preciso dobrar o valor da peça, senão
não tenho lucro. Mais de 50% do valor da minha compra é de impostos”, afirma Fátima Alencar, proprietária da multimarcas Moda Internacional.
Pelos cálculos da empresária, 47% do valor do produto vendido em sua loja são referentes a tributos. “Além de impostos e taxas incidentes, sou uma empresa enquadrada no Simples, então
eu pago uma taxa de acordo com o faturamento. Além disso, temos as taxas incidentes nas operações de cartões de crédito e os impostos que pagamos por funcionário. É um peso enorme que,
infelizmente, temos que repassar para o consumidor”, ressalta.
Há 21 anos no mercado, a Moda Internacional conta hoje com 15 funcionários. Para não perder mercado, nem clientes, que poderiam se assustar com os valores dos produtos, Fátima diz que
passou a diversificar as peças. “Hoje trabalho com grifes nacionais e internacionais. Tive que me adequar à realidade. Não adianta ter produto na loja e não girar”, diz. Pois é, se na
rotina esses são itens cobiçados, se considerar o quanto de impostos vêm neles, causam repulsa.
O pecado da gula não incomoda apenas por causa do aumento de peso da população. Além do risco à saúde, os consumidores brasileiros também pagam caro por suas guloseimas, principalmente aquelas taxadas como supérfluas pela administração pública. E de nada adianta você achar que seu doce preferido é um item essencial. Se o leite em pó tem seu preço aumentado em quase um terço pela tributação, imagina um sorvete? Neste caso, a carga tributária chega a 37,98%. Ou seja, a cada três bolas consumidas, uma não é paga à sorveteria. Ou melhor, com o dinheiro de duas bolas, você poderia levar três, não fossem os tributos federais e estaduais.
Para quem é viciado na sobremesa gelada, como o professor Ângelo Bernardes, que consome pelo menos dez bolas por semana, a carga pesa. E surpreende. “Eu acho justo tarifar produtos
que prejudicam diretamente a saúde, como o cigarro e as bebidas, mas com os alimentos gerais, isso acaba impondo uma censura à opção de consumo das pessoas.” Bernardes acredita que,
indiretamente, essa fórmula pode aumentar a desigualdade social brasileira. “Muita gente acaba não comendo certos itens por causa do preço. É uma espécie de segmentação. Quem ganha
mais pode escolher”, afirma Bernardes.
Segundo ele, apesar disso, a tributação pode ajudar as pessoas a consumirem produtos mais saudáveis, uma vez que o IPI pesa apenas nos itens industrializados. “Além disso, comer é
uma forma de prazer. Se eu sei que pagarei 32% de impostos na conta de um restaurante e não vejo nenhum retorno, evitarei de sair à noite? Difícil, porque isso restringe as minhas
opções de lazer”, comenta.
Se para Bernardes incomoda, imagina para os pequenos empreendedores do setor. Josiane Cavalcanti, sócia do marido na rede local Carlitos Burguer, afirma que além do ICMS de 17%, fica
difícil para os pequenos empresários não repassarem os “impostos ocultos” que pagam para o consumidor final. “A gente tem os tributos visíveis, como o ICMS, que vem até na nota, e
ainda uma tonelada de outros que nem sempre as pessoas têm conhecimento. Pagamos Imposto de Renda, impostos trabalhistas e ainda IPTU dos prédios comerciais, que é maior que o de
unidades residenciais”, detalha. Para ela, as taxas dificultam até a boa relação com os clientes. “Nenhum empresário gosta de ficar aumentando os preços toda hora, mas nossos
custos aumentam todos os meses.”
E Josiane ressalta que o custo para os empreendedores do setor de alimentos ficou ainda mais pesado desde dezembro do ano passado, quando o governo federal aprovou um adicional de 30% de periculosidade aos motoboys. “Pensamos até em fechar o delivery e, para resolver, acabamos usando o serviço de uma empresa terceirizada”, completa. É tanta taxa que até fica mais fácil encarar uma dieta!
Não há quem defina qual o pior dos pecados, mesmo que a Ira seja a imagem da raiva. Pode até ser o mais explícito, mas, sob controle, ele pode trazer resultados positivos. Independentemente da posição no “ranking”, a “ira” custa caro, inclusive para “curá-la”. Coloque na conta da fotógrafa Paloma Amorim: luva (R$ 160), caneleiras (R$ 150) e bandagem (R$ 35), só para listar os itens específicos do Muay Thai, modalidade esportiva que adotou para “exorcizar o estresse do dia a dia”, como define. Agora, considere que mais de 40% do preço que ela pagou vai para os cofres dos governos. “Meu Deus. Não acredito”, respondeu depois de ser informada pelo Diario da carga tributária incidente no material de treinamento.
O contador e professor Fábio Firmino explica que o movimento de carga tributária alta onerando os produtores e os comerciantes provocam naturalmente uma inflação de produto, além
dos critérios de oferta e demanda. “É sempre repassado para o consumidor. É raro a empresa absorver essa carga”, explica.
Gustavo Melo, proprietário da rede Top Fit de academias, destaca que a pancada dos tributos para manter o negócio funcionando é grande. E fica mais complicado ser o outro lado da moeda,
de quem tenta promover o fim do estresse alheio. A carga tributária que incide sobre as academias esportivas compromete 27% do preço do serviço cobrado, de acordo com o Instituto
Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). “Se torna mais porque não dá para repassar todos os encargos para os alunos. Já são dois anos sem aumentar o preço da mensalidade,
ainda que todos os custos aumentem”, explica, citando que a média do preço da mensalidade na Top Fit é R$ 150 (preço de plano anual). De cabeça, lembra de tudo que paga para ajudar
o cofre dos governos: “Pago o Simples Nacional, que varia de acordo com o faturamento do mês, mas é muito alto porque reúne todos os grande tributos. Além de todos os encargos de
funcionários, como FGTS, INSS e outras taxas municipais”, complementa.
A solução de Gustavo para esse “estresse”, principalmente em anos de crise, é investir estrategicamente. “A nova unidade de R$ 1,2 milhão inaugurada neste mês fica em frente ao Caxangá
Golf Clube, área carente desse serviço. Chegaremos com uma academia de rede com o objetivo de lucrar no volume, já que a concorrência não é tão grande como na unidade de boa viagem”,
pontua.
Já Paloma tem poucas opções para descontar a raiva da quantidade de imposto que se paga. Abandonou a rotina de musculação como atividade física e apostou nas aulas de luta. “É até meio
entediante se limitar à musculação, pesos, exercícios repetitivos. Enchi o saco disso e dei início às aulas de luta, que além da perda calórica, é uma atividade física dinâmica,
diferente, de adrenalina alta. E, de tão exaustiva, é relaxante. É até uma filosofia da aula. Entrou na sala, os problemas, o estresse, tudo fica fora, fica pra trás”, destaca.
A única recomendação é pegar leve. Comprar outro saco de areia, por exemplo, tem mais de 40% do preço destinado a pagar impostos. É outro estresse.
Passar o dia na cama, vendo um filme, lendo um livro ou, simplesmente, dormindo. Não tem como fugir. Tem dias que bate mesmo aquela preguiça. Mas ficar parado tem um preço alto. O conforto que buscamos para aquele dia que nos damos ao luxo de não fazer nada tem uma alta carga tributária. Não acredita? Apenas para exemplificar: os impostos representam 44,94% do valor do aparelho de televisão, 46,12% da TV por assinatura, 39,06% do colchão e 50,39% do aparelho de DVD.
“Não temos noção da absurda taxa que pagamos por alguns produtos considerados essenciais a nossa vida. Deveria ser ensinado nas escolas, no ensino fundamental, sobre o valor dos
produtos, das taxas, de como se dá esse valor e se estamos no caminho certo para uma melhor qualidade de vida”, enfatiza o advogado Marcelyno Marinho.
Para Marinho, conforto é palavra de ordem para os momentos em que batem aquela preguiça. “Quando estou em casa, quero ficar descansando mesmo, por isso invisto no meu conforto”, diz.
Acontece que, para satisfazer a preguiça, é preciso investimento e aí a tributação pode causar insônia. Por mês, o advogado paga R$ 320 no serviço de TV a Cabo. Neste valor,
incide um percentual de 46,12% referente a tributos. Ou seja, R$ 147,50. Para matar o calor, Marinho investiu R$ 1,2 mil em um ar-condicionado. Quase metade do valor (R$ 578,64, ou 48,22%)
são de impostos. São dados que não nos permitem fechar os olhos com tranquilidade.
De acordo com o diretor da Contti Contabilidade, Jadir Rocha, em todas as etapas da cadeia produtiva, a carga tributária é muito alta. “Temos, no mínimo, 300 tipos de impostos, taxas
e contribuições no Brasil. Tudo é taxado. Uma empresa que transporta uma televisão de um local para outro, por exemplo, contrata uma transportadora, então paga IPVA, taxa dos
funcionários. É o mundo encantado da tributação brasileira”, ironiza.
A produção de eletrônicos, por exemplo, tem alta incidência de tributos até para as indústrias instaladas na Zona Franca de Manaus, cuja produção é isenta de impostos. “Mesmo nossa
fábrica estando na zona franca pagamos impostos. Temos uma carga tributária alta, principalmente porque nosso produto é distribuído para unidades de varejo de todo o Brasil e em
cada estado em que entramos pagamos o ICMS, por exemplo”, afirma Marcelo Gonçalves, gerente de Comunicação e Marketing da Sony Brasil.
Segundo Jadir Rocha, além da alíquota muito alta, no Brasil ainda existe o chamado imposto em cascata. “É o imposto sobre o imposto. Por exemplo: se dentro de um preço está embutido
o ISS e o empresário paga o IR sobre essa receita, então está pagando sobre o ISS também”, explicou. O especialista também criticou a alta carga incidente no valor pago aos funcionários.
“Para cada R$ 1 que se paga para um empregado, você paga mais R$ 1 de encargos”, disse.
De fato, no quesito impostos, no Brasil, os índices são tão altos que dá até preguiça de acompanhar. Mas, não dá pra dormir no ponto. Pelo contrário, temos que manter os olhos bem
abertos.
Segundo o dicionário Aurélio, avareza significa um excessivo e sórdido apego ao dinheiro; falta de generosidade e mesquinhez. Levando a tradução ao pé da letra, em tempos de crise econômica e inflação, quem não se torna, ao menos um pouco, avarento? Para conseguir realizar alguns sonhos, a aposentada Maria Sena, 57 anos, economiza R$ 2 mil por mês. Todo o dinheiro vai para a poupança. Para chegar a esta cifra, ela abre mão de algumas regalias e diz realizar muita pesquisa de preço.
“Como sou aposentada, tenho tempo livre para cuidar das tarefas cotidianas da casa. Também não vou ao salão de beleza semanalmente, apenas duas vezes no mês, no máximo. Não faço
compras de mês no supermercado. Procuro ir três vezes por semana a três supermercados diferentes e aí vou comprando o que estiver na promoção”, conta.
Se ela se acha uma pessoa pirangueira? A resposta é não. “Me considero econômica. Sei dar valor ao dinheiro. Usá-lo da forma que me propricie prazeres a longo prazo”, disse. Com o
dinheiro guardado, ela consegue trocar de carro a cada quatro anos, viajar anualmente para fora do país e realizar melhorias em sua casa. “Todo esforço tem que ser compensado em algo
que te faça bem”, diz.
Para não ser tributada, Maria aplica os recursos na poupança, que é isenta de Imposto de Renda (IR) e de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). É uma estratégia que livra a tributação
incidente em outras aplicações. Se investisse no Certificado de Depósito Bancário (CDB), por exemplo, o cenário não seria bem este. Aí entraria a figura do Leão, ou do Imposto de Renda.
Para se ter uma ideia, se um consumidor tiver R$ 10 mil aplicado em CDB por um período de um ano, ao fim dos doze meses, em média, o valor estaria em R$ 10.895,28. Porém, sob esse,
incidirá o IR, cuja alíquota de 17,5%, o que representa um desconto de R$ 156,67.
De acordo com o economista da Fecomércio/PE, Rafael Ramos, em geral no Brasil, os investimentos para pessoa física têm como tributos principais o IR e o IOF. “Alguns, além das tributações
pelo governo, podem carregar também cobranças de taxas das corretoras e dos bancos. Sendo assim, é importante que o investidor verifique a opção mais rentável através de pesquisa não apenas
dos tipos de aplicação, mas onde será feita”, orienta.
Para Ramos, riscos, rendimentos e a disponibilidade de resgate (liquidez) devem ficar claros para não gerar arrependimentos. Em geral, clientes conservadores buscam baixo
risco e clientes não conservadores buscam altos rendimentos. “É perceptível também que a incidência dos impostos é maior para quem tem prazo de aplicações menor. As aplicações de
longo prazo, acima de 720 dias, por exemplo, pagam menos impostos, assim o governo tenta elevar o tempo de investimentos da população”, explica.
Os tipos de investimentos para pessoa física são muitos e a maioria é isenta de IR e do IOF como, por exemplo, poupança, LCA e LCI . O CDB e tesouro direto não possuem incidência de IOF. Nestes investimentos, o pagamento do IR depende do prazo da aplicação. Já o investimento de recursos na Bolsa de Valores possui IR de 15% para a venda de ações superior a R$ 20 mil. É por isso que, entre os sete pecados, este é o menos tributado.
Carga Tributária
O governo está de olho nas suas fontes de prazer. Isso mesmo que você leu. Motéis, lingeries, géis de massagens, velas eróticas, lubrificantes e até preservativos são monitorados
e têm uma carga tributária expressiva no Brasil. Que o diga a advogada Flávia Lira, que durante anos, religiosamente, comprava uma nova peça de lingerie e um novo item de sex shop
todos os meses. Até perceber que quase 35% do valor pago nos itens seguia direto para os cofres públicos. Nem a luxúria, pecado mais íntimo, escapa da mira da tributação
brasileira. “Acho que calcinhas e sutiãs são itens essenciais e deveriam ter menores tributos. É algo que todo mundo precisa”, afirma Flávia, questionando a cobrança sobre
essas peças.
Os itens integram o setor de confecções em geral, com incidência de 34,67% no preço final. A alta carga incomodou tanto a advogada que fez ela mudar o seu comportamento de consumo.
“Se antes investia em conjuntos completos, hoje compro peças separadamente. Se gastava a mais em uma camisola importada, agora busco peças nacionais. Também me acostumei a passar
várias vezes no shopping para buscar promoções e isso realmente me ajudou a economizar”, afirma.
A solução pode ter servido para Flávia, já para a microempreendedora individual (MEI) e sensual coach Duda Lopes, dona de uma sex shop, a queda nas vendas destes itens é um
reflexo negativo e que tem aumentado muito nos últimos anos. “Mesmo sendo MEI e tendo benefícios, trabalho com muitos itens: são vibradores, géis, produtos comestíveis, anéis
penianos, e todos têm a taxa de ICMS de 17%. E não tenho estrutura para absorver nada, tenho que repassar na íntegra para meus clientes”, completa.
João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), reforça que o governo precisa fazer uma revisão em todos esses itens com relação ao IPI
e ICMS. “Seria muito mais útil e justo que a tributação fosse mais pesada em cima das rendas altas e dos grandes patrimônios. Além disso, o Brasil tributa tudo antes. Até o
faturamento da empresa, se der prejuízo, o governo já levou a parte dele e não devolve. Para os pequenos, isso pode ser fatal.”
A tributação considerada excessiva por Duda para o tamanho do seu negócio fez com que ela buscasse um complemento de renda com consultorias e palestras. “É um segmento esquecido
pelo governo e que está em crescimento em todo canto do mundo. Deveria haver algum incentivo ao setor, porque são produtos que podem ser usados por grande parte da população”,
considera. Pelo jeito, a paixão está esquecida no Brasil.
Hoje, em média, a cada dia útil, 45 novas regras de tributos são validadas. Desde a promulgação da Constituição de 1988, foram criadas quase cinco milhões de normas tributárias para
reger a vida do cidadão. E, na lógica atual, a fatia de carga tributária sobre o consumo no Brasil chega a 45%. É a dinâmica e a forma que governos federal, estaduais e municipais
trabalham para reunir receitas e movimentar a economia. “Os governos precisam de dinheiro e a forma legal de arrecadar é essa. Não é uma punição à sociedade, porque a lei existe. Se
é injusta, é outra discussão”, explica o advogado e especialista em direito tributário, Rodrigo Accioly.
Em recorte estadual, Pernambuco tem o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) como a maior fonte de receita própria. A fórmula atual de cobrança no estado, também
é considerada legítima e imprescindível. “Todo tributo possui uma função socioeconômica. No caso do ICMS, é o financiamento de políticas públicas estaduais nas mais diversas áreas, como
saúde, segurança e educação, traduzindo-se em bens e serviços à população. Portanto, sua cobrança operacionaliza essas políticas. A dinâmica tributária é justa, pois o que o governo
arrecada é devolvido à população”, afirma, em nota, a Secretaria da Fazenda de Pernambuco (Sefaz-PE). Além do ICMS, a receita dos estados é composta pelo ICD e IPVA. Já os municípios
utilizam o ISS e o IPTU.
No campo da União, a arrecadação é realizada por PIS/Cofins, IPI e Imposto de Renda, estes dois últimos, inclusive, têm parte da receita partilhada com estados e municípios, via Fundos
de Participação, o que tem gerado muitos impasses entre os entes. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, apresentou neste mês um documento oficial ao Senado no qual concorda que a carga
tributária precisa ser simplificada e se tornar mais eficiente. Por sua vez, a discussão não é imediata, já que o ajuste fiscal que vem sendo aplicado sobre os brasileiros é
necessário por conta de um déficit do Tesouro Nacional.
No campo social, Levy acrescenta que há urgência em se criar mecanismos de medição da efetividade e da eficiência do gasto público. “Em muitos países, há entidades nos Poderes
Legislativo e no Executivo dedicadas a essa tarefa, à qual correspondem no Brasil entidades como o Tribunal de Contas da União e o Instituto de Pesquisa Aplicada”, diz o texto
do ministro.