A cidade sem prefeito
Pescador diz que embarcação grande só é bem aproveitada quando há alguém para gritar o momento em que todos devem remar na mesma direção. Mas em Verdejante não tem mar. E, por vários meses, não era de conhecimento público se havia líder algum, aquele que tocaria o barco em meio ao solo seco. Péricles (PMDB), ganhou a eleição por 61 votos. Uma façanha, considerando que o candidato era, na verdade, o irmão dele Francisco (PSD). Com as contas sob investigação e suspeitas de utilização do poder público para vantagem eleitoral, renunciou dois dias antes das eleições, fazendo o anúncio em um carro de som pela cidade. Não deu tempo nem de trocar a foto na urna. A casadinha fraterna ganhou assim mesmo. Haroldo (DEM) teve 2.969 votos (48,58%) do total e era o atual prefeito, no lugar de Francisco, quatro anos antes.
Complicado? É porque ainda nem foi dito o sobrenome dos três: Tavares. Irmãos e primos. Frutos de uma disputa política que invade a tradição familiar, com resultados sempre comemorados e lamentados pelos mesmos parentes, a depender de onde o almoço é servido.
Caminhar pelas ruas do centro do município conversando com os moradores chega a ser divertido, ainda que pouco educativo. "Quem assume a prefeitura é Péricles. Ele que ganhou", conta a merendeira Maria Gorete Pereira da Silva, 56. O agricultor Nivaldo João da Silva, 47, ainda se apega à imagem que apareceu antes de apertar o botãozinho verde do "confirma", em 2012. "Quem ganhou foi Francisco!". Quem emenda o soneto é a estudante Jocibel da Silva, 18: "o povo confia no irmão. Então tanto faz votar em um ou em outro", dispara. Por aqui, não se cogita inspiração nas escrituras que lembram Caim e Abel. É a atendente de caixa Ydaynne Silva César, 18, quem melhor resume o cenário que encontramos quase três meses após as eleições: "Ninguém sabe. Ganhar e assumir? Não tem mais isso por aqui não".
Juntos, os primos mobilizaram 5.999 dos 6.112 votos válidos na cidade. A confusão sobre quem iria assumir a prefeitura se fez porque foi alegado que Péricles, o substituto às pressas, não seria filiado ao PMDB, não podendo assumir o mandato, mesmo que ganhasse. O substituído, que muitos apostavam estar prestes a ser cassado e voltaria "por cima", também não poderia. O primo deles, democrata, não conquistou direito a assumir pelo simples fato de não vencer a disputa nas urnas. E o impasse se fez. Confundiu.
O engenheiro Péricles Tavares, 51, era tranquilo ao dizer que os adversários estariam descontentes por não querer admitir a derrota. Caracteriza a si mesmo como um "virgem na política como candidato, mas envolvido nela desde 1992" e garante: "só houve um problema na transferência de dados entre partidos. Na época (da eleição) todo mundo foi bem avisado. Ninguém achava que estava votando no meu irmão", com aquela certeza que todo político sabe bem passar e na qual se acredita por pura vontade. O adversário é "o outro candidato". Não há espaço para invocar relações familiares aqui. "Fomos nós que o elegemos e ele nos virou as costas desde a posse", conta, como quem descreve uma lista de compras de supermercado. Ressentimento, em si, só quando o assunto sai das urnas, toca a honra familiar e volta a elas: "No enterro do meu pai ele não foi falar com a gente. A melhor resposta o povo deu".
Haroldo Tavares tem 47 anos e se diz político desde os 10. Lamentava os 61 eleitores que o colocaram na situação de "parte" em processos e recursos. "Acredito ter legitimidade. A diferença foi de menos de 1% dos votos válidos e só aconteceu por conta da grande necessidade da população por emprego. Fica difícil prometer isso sabendo que a prefeitura não comporta mais funcionários. Mas, ainda assim, alguns prometem", ironiza, pouco antes de receber visita de um grupo de estudantes que, aos risos altos, pede um trocado para um lanche. E a conversa continua cheia de "alguns" e "meus adversários". O impasse familiar, diz, pouco tem a ver com desavenças. "O apoio de Francisco cessou no primeiro mês. Ele queria ser prefeito com meu nome. Nenhum prefeito sério aceitaria ser tutelado", responde. Ex-vereador e pai de um garoto de 17 anos, ele faz da cautela uma marca pessoal. A tranquilidade parece ser de família. "Só espero que a Justiça cumpra o papel dela e faça a impugnação do registro da candidatura do meu adversário porque apresentamos documentos incontestáveis", resume.
Foi Péricles quem assumiu a Prefeitura no início de 2013 por medida cautelar. Três meses depois, uma definição do Tribunal Regional Eleitoral consolidava sua legitimidade. A Justiça deu o desfecho que os documentos lhe apontaram como corretos. Um Tavares, mais uma vez, assumiu o mais alto posto de Verdejante, tomando para si uma cidade dividida, esperançosa e carente, que aprendeu a votar antes mesmo de ter certeza de quem está, de fato, remando o barco.