O Morhan
Reencontros

Em mini tubos refrigerados a 80 graus negativos, vidas separadas pela hanseníase depositam a esperança de reconstruir o quebra-cabeça das suas histórias. Desde setembro de 2010, o Morhan, cuja sigla em inglês significa (Movement of Reintegration of Persons Afflicted by Hansen's) tem coletado amostras de DNAs em todo o Brasil para formação de um banco genético. É o programa Reencontros que faz da ciência aliada - chave no desafio de confirmar parentescos, identificar e reunir pessoas afastadas durante os anos do isolamento compulsório.

Feito por geneticistas voluntários e com dinheiro brasileiro, esse projeto foi inspirado na luta das Avós da Praça de Maio, que no final da década de 1980 criaram um banco de genes para encontrar filhos de presos políticos desaparecidos durante a ditadura argentina (1967-1983). A motivação foram as inúmeras separações e a busca que persiste ainda hoje pelo país, tanto de pais, quanto de filhos.

Quando o Programa Reencontro começou, a expectativa era de que o banco reunisse de 1 a 2 mil amostras de DNA. Passado menos de um ano, mais de 150 pessoas haviam doado material genético na esperança de obter respostas para um passado que continua vivo e clama por alento. Pessoas como Dona Ana, antiga interna do hospital-colônia da Mirueira, em Pernambuco, que procurou a filha dada por morta e guardou material genético na esperança de que, uma dia, outro compatível chegasse e fosse identificado.

Apesar da semelhança entre a dor das avós argentinas e o vivido pelas mães que sofriam com o mal de Hanse, os números brasileiros são mais turvos. O Governo Federal trabalha com a imagem de 40 mil crianças tiradas da famílias. Apenas uma projeção. Ninguém tem ideia de quantas foram e várias delas já faleceram. As denúncias de adoções irregulares são várias. Além disso, muitas se perderam entre idas e vindas difíceis de precisar. Outro complicador é que, para evitar que os filhos sofressem com o preconceito, diversos pais preferiram não registrá-los, ou o fizeram com nomes fictícios ou em nome de terceiros. Medo igual ao que fez com que enfermos fossem internados nas colônias com outras identidades, seja por vontade própria ou imposição da família.

Luta por justiça

"Fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas..."

Num final de tarde de 2007, aproximadamente 130 pessoas ligadas a movimentos de luta pelos direitos dos portadores de hanseníase chegaram ao Palácio do Planalto. Nenhuma audiência estava marcada, mas eles queriam ser ouvidos. Cantavam uma música que dizia "fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas..." e reivindicavam indenização federal pelos anos de confinamento nos hospitais-colônia. Foram recebidos pelo então presidente Lula, que interrompeu uma reunião a pedido do secretário-geral da presidência, Gilberto Carvalho.

Foto de Arthur Custódio, presidente do Morhan

O presidente nacional do Arthur Custódio, presidente do Morhan é organizador das mobilizações de ex-internos e filhos separados. Percorre o Brasil na tentativa de reunir história e refazer vidas que foram partidas com o isolameto compulsório

Foto de Gildo Bernardo, presidente do Morhan em Pernambuco

Gildo Bernardo é o presidente do Morhan em Pernambuco. Ex-portador de hanseníase, engajou-se na luta após ouvir de uma senhora que teve a doença e ficou sequelada, apenas uma frase: "esse trabalho é para outras pessoas não passaram pelo que passamos".

Foi lá que uma senhora relatou ao presidente algo que ele custou a crer. Há quase 40 anos havia sido levada à força de casa e internada pela polícia sanitária. Estava grávida. O marido cometeu o suicídio poucos dias depois. A filha nasceu na colônia, mas não chegou sequer a ser posta nos braços da mãe. No mesmo instante foi enviada para um preventório. Desapareceu. Tinha sido adotada clandestinamente. Recebeu o nome de Tereza. O reencontro demorou 35 anos para acontecer.

O grupo conseguiu ver editada a Medida Provisória n. 11.520, que concedeu pensão vitalícia às vítimas da doença que foram internadas compulsoriamente até 1986. Uma conquista que, desde 2009 o Morhan luta para estender aos filhos. Tanto os separados, quanto aqueles que foram deixados para trás diante do internamento dos pais. "Quando o governo admitiu que errou e indenizou os pais com uma pensão vitalícia, abriu caminho para lutarmos pelos filhos", afirma o presidente do Morhan, Arthur Custódio.

No início do mandato, a presidenta Dilma Rousseff assinou uma carta de intenção na qual se comprometia atender as reivindicações dessas pessoas. A burocracia, entretanto, tem sido a pedra no meio do caminho deles, barrando, inclusive, o primeiro passo dessa luta, que é a criação de um grupo de trabalho com a função de definir como e quando o pagamento será feito, além de quem poderá recebê-lo.

Quantos são esses filhos é uma pergunta sem resposta. Projeções do governo, entretanto, apontam para até 40 mil pessoas. Em Pernambuco, a expectativa inicial era de 200 pessoas. A localização deles será o menor dos problemas. Uma corrente extraoficial formou-se entre os "irmãos de preventórios" e os conhecidos de colônias para divulgar qualquer novidade sobre o assunto. O ex-interno Juliano Farias é o braço do presidente do Morhan em Pernambuco, Gildo Bernardo. Juntos os dois tem promovido uma série de encontros com os filhos dos que viveram na Mirueira. "Em alguns casos, o exame de DNA será a única prova capaz de assegurar a indenização a essas pessoas", comenta Gildo Bernardo.

O cargo de "seu" Gildo, como é chamado, não conhece privilégios. Ele vai de ônibus para todos os lugares do estado, promove reuniões com os filhos separados, visita políticos e, sempre que solicitado, tenta resolver impasses de ordem jurídica e até pessoal dos assistidos pela instituição. Ex-portador de hanseníase, entrou para o movimento depois de ouvir de uma voluntária, que ainda sofre com as sequelas da doença, que "esse trabalho é para outras pessoas não passaram pelo que passamos".

Expediente

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