O pernambucano consome menos feijão, leite, frutas e hortaliças que a média nacional. Esses alimentos são básicos para garantir uma dieta rica em nutrientes e afastar o risco de males crônicos não transmissíveis - a exemplo de hipertensão, diabetes ou doenças cardíacas -, causas de sete entre cada dez mortes no Brasil. A informação é da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), estudo inédito do Ministério da Saúde publicado em dezembro de 2014. Mais problemática que os hábitos alimentares da população, apenas a falsa sensação de "muito boa saúde", certeza mantida por mais da metade dos pesquisados.
Homens e mulheres têm preferências diferentes na hora de comer, o que também revela um pouco como cada um cuida da própria saúde. Do lado feminino, o consumo de hortaliças e frutas é 50% maior, enquanto o público masculino do estado é o quarto que menos ingere esse tipo de alimento no país. Outro exemplo dessa distância de realidades é que "eles" admitem ingerir carnes e frangos com excesso de gordura. "Homens são mais indisciplinados, mais resistentes às mudanças e mais impacientes pelos resultados", explica a professora do núcleo de biologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco Edileide Freitas Pires.
Considerado um queridinho das mesas brasileiras, o feijão perdeu espaço e o motivo passa longe de ser o "acesso" ao alimento. No estado, menos da metade das pessoas com ensino superior é adepta do consumo regular do grão, o que, para muitos, se deve a um estilo de vida imediatista cada vez mais comum. "Feijão exige muito tempo de preparo e as pessoas preferem alimentos que ficam prontos rapidamente. Só que ele é rico em fibras, ferro e carboidratos importantes para a regulação do intestino. É uma perda que será sentida no futuro", completa Edileide.
A pressa na hora de montar um prato pode colocar em xeque a própria função da alimentação. O recomendado pela Organização Mundial de Saúde é a ingestão média de 2 mil calorias por dia e essa margem deve contemplar proteínas, carboidratos, vitaminas e outros nutrientes. "Uma dieta ideal deve ter, no máximo, 25% a 35% de gorduras", alerta Maria Fernanda Della Santa, endocrinologista do Real Hospital Português. "Alimentos têm mais funções que saciar e fornecer energia. Eles possuem características anti-inflamatórias e antioxidantes, podendo ser utilizados para prevenção de doenças, como aliados da qualidade de vida e longevidade. Aplicados da maneira adequada, são nosso mais eficaz medicamento", completa a nutricionista Laiz Cabral.
Os números da PNS que descrevem Pernambuco parecem tomar forma na geladeira dos servidores públicos Morgana Marques, 31, e José Moreira, 50. O casal do bairro da Várzea, no Recife, trava a batalha diária da busca pelo prazer e qualidade de vida de formas distintas, do prato ao supermercado.
"Há dois anos engravidei e mudei hábitos. Cortei refrigerante, biscoito recheado, pão e leite integral. Quis uma 'base nutricional' diferente para meu filho para ver as consequências na vida dele. Ainda hoje não é fácil. Depois desse tempo todo ainda não consegui convencer Igor. Se eu for para o supermercado, são frutas, verduras orgânicas e pães integrais no carrinho. Se for Igor? Carne vermelha, salsicha e bolacha! Antes mesmo da gravidez, minhas taxas no sangue estavam alteradas e procurei uma nutricionista, mas foi por meu filho que decidi pela reeducação. Durante a semana, ainda dá para controlar meu marido, porque sou eu que faço o almoço e preparo mais peixe e frango. Ainda assim, o dia inteiro, ele come besteiras. Fica assim: cada um puxando pro seu lado"
Não é do dia para a noite que formamos nossos hábitos alimentares. É natural que a mudança deles não seja também imediata. Até o paladar se readequar, muitas barreiras têm que ser quebradas. O trabalho é menos doloroso quando iniciado na primeira infância, período em que a criança ainda está conhecendo o sabor dos alimentos. E não é uma questão só de facilidade. É nessa fase que é definido o padrão metabólico que a pessoa carregará pelo resto da vida. “O período da gestação até o fim do segundo ano é determinante na saúde da criança. Se ela se alimentar bem, tem menor propensão a obesidade, diabetes e outras doenças”, orienta a coordenadora da UTI neonatal do Hospital Memorial São José, Marina Azevedo, referindo-se ao que os pediatras chamam hoje de campanha dos primeiros mil dias de vida.
Ao contrário do que pensavam nossos avós, uma criança bem alimentada não é aquela gordinha, mas a que vive longe dos excessos de sal, açúcar e gorduras. Só o aleitamento materno, exclusivo, reduz em 25% as chances de desenvolvimento da obesidade ao longo da vida. “Uma criança não acostumada a comer doce durante a primeira infância dificilmente terá padalar para isso quando crescer”, ressalta.
Caso essa não tenha sido a política em sua casa, calma. Não é preciso restringir tudo. O radicalismo gera expectativa e pode criar desejo pelo proibido. O segredo está em não associar alimentação saudável a algo especial, restrito a um grupo seleto de pessoas. As dicas dadas pelos especialistas são negociar com a criança, levá-la para a cozinha ou mesmo fazer lanches coletivos. É o que acontece na escola Ecoprime, em Aldeia, a cerca de 20 km do Recife. A unidade educacional oferece lanches coletivos para crianças de até seis anos, com alimentos orgânicos e sucos. “Quando uma criança vê outras comendo, gostando de alimentos até então diferentes, fica mais motivada”, explica a diretora Andressa Peixoto, ressaltando a importância do trabalho familiar. Todo dia, os estudantes levam para casa um diário alimentar.
“A criança come o que o adulto oferece. E os adultos têm dificuldade de entender que os resultados vão aparecer ao longo da vida. Quase todas as mães chegam ao consultório pedindo suplementação de vitaminas, mas em metade dos casos não é preciso”, pontua Marina Azevedo.