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Doses nada
inocentes de
preocupação

Inserida na cultura do brasileiro, a bebida alcoólica é um dos principais inimigos da saúde, pois, ingerida em excesso, acaba associada a mais de 350 doenças. Em Pernambuco, o happy hour habitual passa a ser um problema quando se considera que o estado é o líder do país em proporção da população que admite abusar do álcool mais de quatro vezes por semana. E o conceito de "abuso" varia de pessoa para pessoa – para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o excesso ocorre quando a ingestão é superior ao que considera como "moderado" - três doses diárias de bebidas do gênero.

Em três de cada cinco casos de alcoolismo, há fatores genéticos associados. Além das alterações comportamentais - como agressividade, aumento da violência doméstica e faltas no trabalho -, a dependência orgânica causa cirrose, cistite, câncer de língua, de boca e até câncer de mama. "A substância cancerígena está no álcool. Quando a pessoa bebe muito todo dia, ela pode entrar em quadro de abstinência, o que leva a situações irreversíveis", ressalta a psiquiatra e pesquisadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool Carolina Hanna.

A dependência de álcool, em geral, é diagnosticada após 10 anos de consumo intenso. "São aquelas pessoas que não conseguem passar o dia sem pensar em beber. O álcool afeta a expectativa de vida e o dependente é mais vulnerável", exemplifica a pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas Zila Sanchez.

Mesmo longe do cenário de alcoolismo, quando os abusos são frequentes, Pernambuco está entre os dez estados com maiores parcelas de moradores que dizem ingerir álcool regularmente. O Brasil é signatário do documento da Organização Mundial de Saúde que tem como meta a redução em até 10% do consumo nocivo de álcool até 2025.

Na verdade, qualquer ingestão de álcool já apresenta riscos à saúde, por isso, não é preciso beber todos os dias para se ver vulnerável dos efeitos destes produtos. Os "porres" eventuais – classificados como "padrão binge", que superam cinco doses diárias de álcool -, por exemplo, favorecem a hipertensão, risco que vai além dos comportamentais, a exemplo da direção insegura ou das relações sexuais sem proteção. E quanto mais cedo se começa a beber, maiores as chances de se fazer o "binge" ou se tornar dependente da bebida.

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O costume que insiste
em desafiar a lei

"Não gosto de andar de ônibus durante a madrugada e táxi é muito caro", conta Tiago*, 22, sobre o fato de sempre dirigir mesmo depois de ter consumido bebidas alcoólicas. O estudante de direito é acostumado, desde que tirou a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), a burlar a lei. A prática também é comum dentre os familiares dele e já rendeu até um acidente automobilístico na própria familia. "Estava voltando de uma festa, onde meu irmão também estava. Nós dois tínhamos bebido e dirigíamos carros diferentes. Quando parei em um sinal, ele bateu atrás", relata.

Nem o incidente, nem a Operação Lei Seca é motivo para que o jovem mude de comportamento. Ele aguarda processo depois de ser parado em uma blitz para perder o direito de dirigir. O pai, inclusive, já teve a CNH suspensa pelo mesmo motivo. "Sempre saio de carro, mas procuro frequentar lugares próximos de casa. Você sabe que pode acontecer algo, mas não acredita que vai ser com você", justifica.

O costume também se estende ao grupo de amigos do estudante, sobretudo aos mais jovens. O advogado Paulo*, 23, só mudou de hábitos recentemente. "Você vai envelhecendo, percebe que tem uma imagem profissional a zelar, vê imaturidade nisso", alega, acrescentando que já chegou a receber dos amigos o perigoso título de "melhor motorista bêbado do Recife". Ao contrário de Nascimento, boa parte dos jovens não muda de ideia. E ainda que esse tipo de endosso ao comportamento seja mais comum na juventude, há quem passe anos desafiando o perigo da condução até o limite da segurança ser posto à prova. O problema é que, nesse momento, normalmente é colocada em risco mais que a vida do condutor, mas de passageiros e transeuntes. Resta saber até quando.

*Nome fictício

Enquanto não
há consciência,
a busca aos insistentes

 

Casos como o dos personagens desta reportagem não são isolados em Pernambuco. No estado, 22,5% da população admitem assumir a direção mesmo depois de beber além da conta. Mais assustador que o número elevado, apenas a constatação de que, ainda assim, o estado está abaixo das médias nordestina e nacional. Um dos motivos apontados é a rigorosidade da Operação Lei Seca, que envolve Secretaria Estadual de Saúde, Detran e Polícia Militar desde 2011. Em entrevista, o coordenador da ação, o tenente-coronel André Cavalcanti, detalha como funciona a "caça aos teimosos".

Como funciona a Operação Lei Seca em Pernambuco? Existe uma meta?
A Operação Lei Seca veio para cumprir o estabelecido pelo Plano Nacional de Redução de Acidentes e Segurança Viária para a década de 2011 a 2020. A meta colocada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), cujo Brasil assinou, estabelece uma redução de 50% no número de óbitos. Isso dá uma média anual de 5% a 6%. Estamos trabalhando para fazer uma média de redução de 6,5% por ano. A operação é coordenada pela Secretaria Estadual de Saúde. Temos nove equipes com quatro PMs, três agentes do Detran e três funcionários da secretaria nas ruas diariamente, trabalhando por 12 horas.

É possível chegar a zero?
Sempre vai ter o percentual de pessoas que bebem e dirigem, pessoas com patologia, distúrbio e etc. Por mais que estejamos fiscalizando, não vamos conseguir zerar por causa disso. Na blitz da Avenida Agamenon Magalhães, por exemplo, tem gente que já foi pega três vezes. Reduzir para 22,5% o percentual de pessoas que bebem e dirigem em apenas três anos é bom, porque é uma cultura de muito tempo. Além de conseguirmos outros resultados, como diminuir o índice de acidentes na Agamenon, pois as pessoas sabem que tem blitz e andam mais devagar na via.

Pernambuco tem um índice alto de pessoas que admitem ingerir muita bebida alcoólica, em compensação, tem uma das menores taxas do Brasil de motoristas que confessam dirigir bêbados, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde. Como você avalia a participação da Lei Seca nesse cenário?
Se o consumo fosse baixo no estado, seria a conta pela receita. Com certeza, o trabalho desenvolvido nos últimos três anos com a Operação Lei Seca está impactando na consciência da população. Quem bebe não deixará de beber. Só que agora eles procuram alternativas, como o táxi, a carona do amigo ou beber perto de casa. Estamos abordando mais e multando menos, isso mostra que a consciência aumentou. Existe uma geração de condutores mais jovens cuja formação já é melhor. Raramente, por exemplo, pegamos um condutor que ainda está com a permissão para dirigir.

Guia da boemia

Comparamos o percentual da população que consome álcool em Pernambuco com as bases públicas de dados do mesmo tema de várias localidades europeias.

*Se fosse um país da Europa, o estado nordestino seria o sétimo maior consumidor de bebidas alcoólicas do continente, ao lado da Romênia.

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