Laços de sangue, laços de dor

"Quando a gente passava, as pessoas na rua apontavam: 'olha os filhos dos leprosos'"
Rosângela Pereira

Cinco crianças cresceram juntas no preventório da Várzea sem saber que eram irmãs. Cada uma tinha um apelido. O da mais velha, Rosângela Pereira, era Toxó. Um dia, o pai delas esteve no orfanato e soube que desconheciam a origem em comum. Conseguiu reuni-las. Um por um, disse quais eram os nomes dos filhos. Contou quem eram. Rosângela tinha nove anos.

Foto dos irmãos Rosalvo, Rosangela e Gilvan (Pereira)

Crédito: Teresa Maia/DP/D.A.Press

O tempo passou, levando cada um dos cinco irmãos para uma direção diferente. Eles nunca saíram de Pernambuco, mas perderam completamente o contato. Apenas três aceitaram fazer a foto que ilustra esta foto. Para Gilvan Pereira, foi um momento de reencontro. Não via os outros dois irmãos há quase dez anos. "Nem reconheci eles quando encontrei", disse.

"Foi uma jornada a nossa vida. Se eu tiver um filho vou dar muito, muito carinho, porque é muito bom receber amor. É fundamental. Faz falta. Fez falta…"
Rosalvo Pereira

Rosângela é mais falante: "A gente era criado feito bicho e olhe que os bichos de hoje não são tão maltratados. Tem até lei para quem judia de cachorro. Não tem como apagar o que passei. Quando a gente ia tomar café de manhã, o fubá era cru, ficava com bicho, tapuru na comida. Eu virava o prato e ia comer folha de jambo, carambola verde, 'coração-de-nêgo'. Esperava chegar a hora do almoço que era feijão com arroz e um pedaço de carne ou salsicha. Quando chegava de noite, era um pão doce para dividir entre duas crianças. Eu cortava o pão em dois e guardava uma parte para comer mais tarde. À noite, às vezes, me colocavam para dormir em um plástico no chão porque eu mijava na cama. Anos depois saí do orfanato para viver com meus pais. Meu pai fez uma casinha aqui em Mirueira. Fui eu e Rosalvo. Os outros filhos não quiseram ficar e voltaram para o orfanato. É que quando fui morar com meus pais, pensei que ia conhecer o paraíso. Conheci outro inferno pelas dores que eles sentiam, pelos ferimentos que carregavam e pelo sentimento de culpa e de raiva da vida que guardavam. Também sofri com a forma como os outros olhavam para a gente. Eu era sempre a filha de um doente.

Quando a gente passava, as pessoas na rua apontavam: "olha os filhos dos leprosos". Ainda assim, agradeço a Deus porque meus pais me ensinaram a não ter revolta pelo que passamos. Lembro que um dia meu irmão jogou pedra no meu pai. Na época a gente não conhecia ele, não sabia nem que era nosso pai. Ele tinha ido ver a gente lá no orfanato. Ficou longe, distante, apenas olhando, espreitando. Depois veio na nossa direção se arrastando, puxava de uma perna. Era aleijado. Meu irmão pensou que fosse um louco. Lembro e esse momento ainda dói em mim. Mas ele não sabia quem era aquele homem, assim como eu não sabia. Era apenas uma criança. Mas e os adultos? Muitos jogaram pedras nele antes de nós".

Expediente

Diretora de redação: Vera Ogando
Coordenação e edição: Lydia Barros | Reportagem: Júlia Schiaffarino
Fotografias: Teresa Maia
Coordenação de Multimídia: Jaíne Cintra
Edição de vídeo: Filipe Falcão | Design e Desenvolvimento: Taís Nascimento

© Copyright 2013, S/A Diario de Pernambuco. Todos direitos reservados.