O último filho
"Por muito tempo me envergonhei de viver ali na Mirueira. Evitava levar amigos ou namorada para conhecer minha família"
Rinaldo Pellágio
Edgar Pellágio era casado quando descobriu que estava com a temida doença. Foi internado no Hospital da Mirueira e lá viveu por mais de 36 anos. Nesse meio tempo, conheceu outras mulheres, entre elas a mãe de Edvaldo que, após nascer, foi levado para o preventório. Com apenas um ano de idade, teve otite. O quadro se agravou e ele perdeu grande parte da audição. Não aprendeu a linguagem dos sinais, nem a ler ou escrever, e até hoje tem dificuldades em se comunicar. Quem cuidou dele por todo esse tempo foi uma ex-interna que virou funcionária do Educandário, Maria das Dores da Silva, conhecida como Dorinha. Quando ele chegou, ela tinha nove anos. Tornou-se uma espécie de madrinha de Edvaldo, e em muitos momentos exerceu o papel de mãe. Aos 13 anos, ele conheceu o pai, que não quis assumi-lo.
Rinaldo e Edvaldo do Pellágio. Crédito: Teresa Maia/DP/D.A.Press
A foto registra um momento único. Nela, Rinaldo leva o irmão para visitar, pela primeira vez, o túmulo do pai falecido décadas antes. Os dois irmão se conheceram em 2011, graças ao trabalho do Movimento de Reintegração de Pessoas atingidas pela Hanseníase (Morhan), que conseguiu localizar Rinaldo e comprovar o parentesco com testes de DNA.
Após muita busca, em 2011 ele conseguiu conhecer alguém de sua família. O irmão, Rinaldo Pellágio, foi encontrado graças a buscas do Movimento de Reintegração de Pessoas atingidas pela Hanseníase (Morhan) que conseguiu comprovar o paretesco via testes de DNA e promover o encontro. Os laços sanguíneos de Edvaldo e Rinaldo são apenas por parte de pai. A diferença de idade entre eles é de 10 anos, o que fez com que, mesmo carregando o estigma de filho de hanseniano, Rinaldo tivesse um destino diferente. Ele morou dentro do Hospital. Foi levado para lá aos 12 anos por Edgar quando o pai soube dos maus-tratos que o filho sofria nas mãos de uma mulher encarregada de cuidar dele.
Crédito: Teresa Maia/DP/D.A.Press
"Por muito tempo me envergonhei de viver ali na Mirueira. Evitava levar amigos ou namorada para conhecer minha família. Via muito preconceito e tinha medo de sofrer o mesmo", conta Rinaldo. Ainda assim, diz agradecer as lembranças que tem dos pais. "Mesmo com todos os problemas, tive uma infância feliz. Sinto pelo meu irmão não ter tido o mesmo".
Quanto a Edvaldo Pellágio, ainda hoje ele vive na casa abrigo onde cresceu. Um dia será o último filho a deixar o Instituto Guararapes. Por enquato ainda não tem para onde ir. Preferiu não viver com o irmão e vaga solitário dentro daqueles muros da Várzea, pelos corredores antes repletos de crianças e do barulho delas. Agora, além dos passos dele, apenas o silêncio.