A força da cachoeira


Salto para o futuro | Hidrelétrica de Paulo Afonso impulsionou o desenvolvimento econômico do Nordeste


Em 1955, em meio a muita euforia, o Nordeste recebeu sua primeira usina hidrelétrica. Paulo Afonso I - seguida pelas usinas II e III - iria dar autonomia energética a região, alavancar o setor industrial e gerar empregos o ano todo, independentemente se chovesse ou não. Patriota, Luiz Gonzaga se juntou a Zé Dantas para compor Paulo Afonso, quase um jingle de inauguração. Contrariando as previsões, as usinas I, II e III não suportaram muito tempo a carga do Nordeste. Veio então a Paulo Afonso IV, que transformou a cidade em uma ilha artificial do São Francisco, e anos depois, a 80km dali, a Usina Xingó, a maior do Nordeste.

Olhando para Paulo Afonso... Vejo a indústria gerando riqueza, findando a seca, salvando a pobreza

Música: Paulo Afonso (Zé Dantas/Luiz Gonzaga, 1955)

A aposta quase que exclusiva nas hidrelétricas gerou dois grandes apagões em menos de um ano e um setor energético deficitário e em crise. Paulo Afonso I, II e III, que alavancavam a esperança de um novo Nordeste, parecem hoje um museu de hidrelétrica. A capacidade das três usinas juntas não chega a metade de Xingó sozinha.

Funcionário da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) há 22 anos, João Alves dos Santos, o João do PT, é um dos dois guias da empresa, tanto para visitas para turistas, quanto para visitas técnicas. Traz, além de dados e estatísticas, a memória de festas de arromba para presidentes nas casas de diretores da Chesf, quando trabalhou como garçom na década de 1970: "Cada um dos cinco diretores tinha uma casa com piscina e um aquário", lembra, com orgulho.

Hoje, a área da Chesf em Paulo Afonso pouco lembra os anos de glória. O zoológico foi desativado. O restaurante para os turistas foi fechado há dois anos por risco de choque elétrico. Do pavilhão que antes havia sido visitado pelo imperador Dom Pedro I e onde aconteciam os banquetes da companhia, resta apenas a bela vista para a usina de Angiquinho, a primeira construção hidrelétrica do Nordeste, feita em 1913 a mando do industrial alagoano Delmiro Gouveia.

Retirante que voltou para Paulo Afonso na década de 1990, o comerciante Maciel Teixeira Lima vê no complexo hidrelétrico, senão a chave para o desenvolvimento do Nordeste, pelo menos para Paulo Afonso. Graças à Chesf, a cidade baiana tem hoje um dos dez maiores PIBs entre as cidades do interior da região.


Pois vejo o Nordeste erguendo a bandeira de ordem e progresso


Cadê a água? | Íris espera que a transposição ajude a ressuscitar o Rio Imbé
Aos vinte anos, Ronieris Gonçalves fez o percurso que tantos outros nordestinos fizeram antes dele: deixou o Sertão para tentar a vida em São Paulo. Foi seguindo os irmãos que já moravam lá e com a promessa de emprego certo. Passou quatro anos na metrópole e não conseguiu nenhum carimbo na carteira de trabalho. Soube pela família que novos ventos sopravam no Sertão. Decidiu voltar para a terra natal, Missão Velha, no Ceará, e conseguiu seu primeiro carimbo: funcionário na obra da Transnordestina, ferrovia que vai ligar os portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco, escoando a produção do interior. Foram oito meses trabalhando na ferrovia até mudar de emprego e ir para o canteiro de obras da transposição do Rio São Francisco em Cabrobó.

Ronieris trabalhou nas duas grandes esperanças de desenvolvimento para o Nordeste. Um sonho acalentado desde o século 19, a transposição do Rio São Francisco é a obra mais polêmica do Nordeste. Quinto maior rio do mundo, o São Francisco já é usado para transporte, hidrelétricas, incontáveis projetos de irrigação, navegação, pesca e turismo. Levar água para 12 milhões de pessoas em 391 municípios de quatro estados (Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte) é o próximo desafio do velho Chico.

Íris Lopes, que mora numa fazenda em Pesqueira (Pernambuco), desconhece o percurso da transposição, mas sonha com o dia em que as águas Rio Imbé, que passam pela propriedade dele, serão perenes. "É a esperança que a gente tem para continuar trabalhando na terra", diz o fazendeiro, que por conta da longa seca deste ano vendeu quase metade das suas 50 cabeças de gado para o Maranhão.





Eu louvo o nosso engenheiro. Louvo o nosso cassaco, caboclo bom, verdadeiro

De acordo com o governo federal, seu Íris ainda vai ter que esperar. Prevista para ser entregue agora, no final de 2012, a transposição está somente com 43% de suas obras concluídas. O orçamento, antes previsto para R$ 4,5 bilhões, quase dobrou para R$ 8,2 bi. Empreiteiras abandonaram obras, contratos tiveram itens supervalorizados e o governo agora fala que só em 2015 a obra deverá estar pronta.

A construção da Transnordestina se arrasta desde 1997, quando houve o leilão dos lotes. O projeto saiu do papel em 2006 e a previsão era de que ficasse pronto em 2013, ao custo de R$ 4,8 bilhões. Hoje, o governo já admite estender o prazo para o final de 2015, com orçamento superior a R$ 8,2 bilhões. Esperança e espera ainda são palavras-chave no dicionário do nordestino.