A terra que tudo dá


Fartura de ideias | Ronaldo Macário estudou e, com soluções simples, não ficou refém do clima


No meu roçado trabalhava todo dia. Mas no meu rancho tinha tudo o que queria


Músicas: No meu pé de serra (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira, 1947); Frutos da terra (Jandhuy Finizola, 1982)

Não é fácil viver na zona rural nordestina. Serviços básicos, como água encanada e saneamento, ainda não são comuns de se ver. Filho de fazendeiros de Tupanatinga, no Agreste pernambucano, Ronaldo Macário, 31 anos, sempre gostou de viver no campo. E luta até hoje para retirar da terra o sustento da sua família. Em tempos de seca, a vida é regrada. Ronaldo acorda cedo todo dia para as 7h30 as vacas estarem ordenhadas e o leite a caminho da fábrica. Sem pasto e precisando comprar farelo, ele gasta R$ 1,30 para produzir um litro de leite que vende por R$ 0,95.

Para não ficar refém do clima, Ronaldo decidiu estudar. Durante um ano e meio, ele ficou longe de casa uma semana por mês. Ia ter aulas em Ibimirim. Formado técnico agrícola, Ronaldo transformou o sitio Sagüi, sua propriedade com cerca de 50 hectares, em uma espaço de experimentação para tecnologias que ajudam o homem do campo a produzir mais e melhor. Sustentabilidade virou palavra de ordem.

Colocando em prática o que aprendeu no curso, hoje o gás que usa na cozinha de casa vem do esterco fresco da vaca que dá o leite que ele vende para a beneficiadora. A água quente chega ao chuveiro através de garrafas pet. Para a esposa Jaqueline ir da cozinha ate o galinheiro - feito com uma tampa de uma caixa d'água – ele construiu uma cobertura de pés de maracujá e parreiras, evitando o sol forte do verão e garantindo mais frutas na mesa.

As tecnologias que usa no seu sítio são simples, mas ainda pouco difundida. "Na época de Luiz Gonzaga eram técnicas quase inexistentes. Os agricultores, apesar da falta de assistência técnica oficial, conseguiram avançar em muitos aspectos", acredita o pesquisador agrícola Sebastião Alves, da organização civil Serta – Serviço de Tecnologia Alternativa. "O biodigestor, por exemplo, ajuda a preservar a caatinga. Na medida em que o agricultor tem gás em casa, ele não vai cortar lenha, não vai desmatar", diz.

O biodigestor é mesmo a grande atração do sitio Sagüi. Ronaldo fez o projeto junto com amigos do curso, em um mutirão. Levou um dia e gastou R$ 1,5 mil com material.

Para acender o fogão foi necessário esperar 12 dias para que o esterco fosse transformado por bactérias em adubo e gás metano. Hoje, coloca menos de metade de um carro-de-mão de esterco por dia. "Sobra tanto gás que fiz um encanamento para a casa do meu pai", comemora.





O fruto bom dá no tempo, no pé pra gente tirar. Quem colhe fora do tempo, não sabe o que o tempo dá


Um futuro melhor | Tecnologia de baixo custo mantém famílias no seu pedaço de terra
Choveu quase nada em Petrolina neste ano. E as plantações do Vale do São Francisco agradeceram. Com grandes propriedades para produção principalmente de uva, manga e coco, a agricultura irrigada das cidades que margeiam o rio não depende da chuva do Sertão. "Aqui, quanto menos chuva tiver, melhor para as uvas", diz o enólogo português Ricardo Henriques, que há três anos cuida das uvas e dos vinhos da plantação da RioSol em Lagoa Grande, cidade vizinha a Petrolina.

Maior vinícola em Pernambuco, a plantação da RioSol em Lagoa Grande conta com 200 hectares de parreiras de 25 variedades. É tudo irrigado pelo sistema de gotejamento, com água que vem do rio, a 2,5km dos lotes de parreiras. "Produzimos até duas safras e meia por ano enquanto na Europa é apenas uma. Em um lote podemos ter uvas maduras, em outro uvas brotando", detalha.

Somente a fruticultura emprega 240 mil pessoas no Vale do São Francisco. Um estudo comparativo da Univasf, contudo, revelou que a riqueza ainda não se transformou em desenvolvimento. Enquanto o PIB per capita das cidades irrigadas cresceu mais de 85% de 1970 a 2000 do que nos municípios sem irrigação, o índice de desenvolvimento humano dos dois tipos de cidades ficou quase no mesmo patamar: em 30 anos subiu de 0,274 para 0,687 nas cidades irrigadas, e de 0,259 para 0,644 para as não irrigadas.



No Vale do São Francisco, gotejamento planejado é melhor do que chuva